Ouvidoria Pública em tempos de crise

ARTIGO – Rose Meire
Cyrillo,
 Promotora de Justiça
e Ouvidora do MPDFT – 


O atual cenário
político-econômico brasileiro mostra-se bastante conturbado, por motivos
diversos, os quais não serão aqui pontuados, por mais que influenciem
diretamente as relações do cidadão com as instituições públicas e privadas,
haja visa que o objeto da presente análise é a Ouvidoria Pública, enquanto canal
de ausculta da sociedade e instrumento de validação do cidadão como ente
importante no processo democrático e na gestão participativa da coisa pública
e, seu relevante papel em momentos de convulsão social.


Em tempos de crise, onde
as dificuldades se agigantam, é comum que as relações sociais assumam um tom
reivindicatório mais intenso. O cidadão passa a questionar com mais assiduidade
os governantes e suas opções políticas, na mesma proporção que exercem com mais
veemência os direitos de cidadania, principalmente aqueles ligados ao princípio
da participação social e o da transparência ativa e passiva da Administração
Pública.


Nesse contexto de
ebulição a Ouvidoria Pública surge, mais do que nunca, como um catalisador dos
anseios sociais, uma caixa de ressonância dos reclamos da população, um
para-raios da tensão que verte da sociedade que sofre com os efeitos nefastos
da falta de políticas públicas em áreas essenciais, da carestia e dos
incessantes abalos dos valores básicos da vida política, os quais retroalimentam
uma espiral de desconfiança quanto à legitimidade das instituições e instâncias
governamentais.


Em busca de amenizar
tais impactos e, ante ao crescente número de demandas levadas às Ouvidorias
Públicas e imbricadas com tais controvérsias, cabe aos Ouvidores Públicos a
missão de transformar esse amálgama de reclamações e pedidos de providências em
campo fértil de oportunidades para cooperação, participação e mudanças de
paradigmas, identificando e explorando, ao máximo, os potenciais de mobilização
da equipe, quais sejam: conhecimento (saber); habilidades (saber-fazer) e
atitudes (saber ser/agir), com vistas a um trabalho de excelência no
atendimento do cidadão.


É vital acolher o
cidadão e, após uma escuta ativa e humanizada, interpretar seus anseios, mediar
e conciliar os conflitos que estão subjacentes às suas demandas e,
principalmente, com sensibilidade e firmeza, persuadir os responsáveis pelas
possíveis soluções que as concretizem, num prazo razoável, tudo em prol de uma
efetiva prestação de serviços ao cidadão, que é, antes de mais nada, um sujeito
de direitos e como tal tem que ser tratado.


Situações de turbulência
como as vivenciadas na atualidade requerem uma atuação mais proativa do Ouvidor
que, com habilidade e equilíbrio, avaliará a demanda posta e buscará
alternativas para uma melhor resolução do problema trazido pelo cidadão. A
título exemplificativo, em manifestações que envolvem questões de
superendividamento, empréstimos e resgate da cidadania financeira, o
manifestante pode ser orientado a buscar auxílio junto ao Banco Central, que
criou o Cidadania Financeira, programa voltado para a promoção da educação
financeira e que visa garantir proteção aos consumidores de serviços
financeiros ou, junto ao TJDFT, que criou no âmbito dos Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSCs, o Programa de Prevenção e
Tratamento de Consumidores Superendividados, que tem o objetivo de promover a
prevenção, o tratamento e a resolução amigável de conflitos envolvendo
consumidores em situação de superendividamento, oferecendo oficina de educação
financeira, orientações financeira e psicossocial individualizadas e solução
consensual dos conflitos com os credores, por meio de palestras e mesas
redonda.


Como se vê, é muito
importante para o fortalecimento das Ouvidorias Públicas construir um
relacionamento sólido com outros entes governamentais e demais atores sociais,
trabalhando de forma articulada e conexa entre si, de forma colaborativa e não
hierarquizada e, em favor do cidadão, numa perspectiva de rede, onde as ações
se complementem e se harmonizem, pois só faz sentido a existência de ouvidorias
que estejam integradas com o todo, como uma célula que compõe o organismo vivo
do Estado, engrenagem essencial para o perfeito funcionamento do complexo
mecanismo da Administração Pública.


Por outra ótica, em
muitos órgãos públicos também cabe à Ouvidoria a gestão do canal do SIC –
Serviço de Informação ao Cidadão, implementado para atender às exigências da
Lei de Acesso à Informação, nº 12.527 de 18 de novembro de 2011 e que ampliou
sobremaneira a participação cidadã no controle da gestão pública.


Referida ferramenta
ganhou um contorno especial nesse período em que a população tem procurado se
inteirar mais sobre os atos dos governantes, pois facilita a busca de
informações mais pormenorizadas sobre gastos, políticas públicas e gestão do
erário. Não é demais afirmar que o cidadão despertou para a importância da
transparência dos atos da administração pública e que o acesso à informação passou
a ser a regra.

Neste particular
aspecto, também cabe às Ouvidorias Públicas esse papel pedagógico de orientar e 
indicar ao cidadão quais os caminhos mais adequados para ter a sua demanda
atendida, ou seja, se a sua intenção é de criticar, elogiar, pedir providências,
denunciar ou fazer sugestões, ele terá a disposição o canal da Ouvidoria. Já se
o seu objetivo for ter acesso à informação produzida e sob a guarda de algum
órgão ou entidade pública, o canal correto é o do SIC – Serviço de Informação
ao Cidadão.


Assim, resta evidente a
importante contribuição das Ouvidorias Públicas na construção de uma sociedade
mais bem informada, com direitos humanos ainda mais protegidos e cidadania
concretizada, reflexo de cidadãos mais conscientes de seus direitos e responsabilidades
coletivos e de administrações públicas mais transparentes, eficientes e
eficazes na prestacão de serviços. 


Por fim, cabe destacar
que o desenvolvimento dessa teia de competências, com certeza mudará a
perspectiva que sem tem hoje da Ouvidoria Pública, que além de importante canal
de comunicação entre o cidadão e o órgãos públicos, há que ser compreendida,
também, como unidade de inteligência, com plena capacidade de sistematização de
informações e de elaboração de indicadores, assim como uma área de produção de
resultados, criando um círculo positivo e virtuoso, com reflexos na
consolidação da confiança do cidadão nas instituições, legitimando-as enquanto
instrumentos de concretização da cidadania e do Estado Democrático de Direito.